Ministrando aulas de Redação para os alunos do terceiro ano do Ensino Médio da Escola Tenente Rêgo Barros, percebi que o potencial dos meus alunos/escritores não podia ficar restritito aos muros do colégio. Acho um desperdício que textos tão bons e interessantes sejam lidos apenas por quem os escreve e por quem os avalia - como acontece em quase todas as escolas do país. Por isso criei este blog, para compartilhar os textos interessantes, curiosos, às vezes hilários e sempre muito criativos desses adolescentes - meus alunos - potencias escritores e "escrevedores" praticantes da ETRB.















Leiam, curtam, deliciem-se, comentem e compartilhem conosco essa "viagem" boa que é a leitura.















segunda-feira, 28 de março de 2011

Medo da beleza

Vi a luz em mais um dia normal e, como todos os dias normais, saboreava a deliciosa banana amassada recheada com granola crocante e degustava um bom suco de laranja. A semana acabara de começar para mim e para os outros estudantes da escola Rêgo Barros, onde estudo desde criança.
Sempre ao passar pelo bosque da escola, notava as pessoas que apreciavam uma árvore que ficava no centro, contornada por algumas rochas vermelho-queimado pelo chão, como se fosse a primeira a ser plantada ali. Porém, sempre me perguntei por que esta árvore agrada tanto os olhos de quem a procura.
Com essa dúvida entranhada na minha cabeça, não pude deixar de investigar, a minha curiosidade era tanta que fiquei obcecado por isso. Desde então, comecei a perguntar e questionar as pessoas que a admiravam, alguns pensaram que eu estava ficando louco ou que eu fosse um “nerd” estúpido.
Mesmo não ligando para o que as pessoas falavam de mim, comecei a ficar preocupado pensando que estava enlouquecendo. Diante dessa suposta loucura, veio-me uma grande ideia à mente. Por que não olhar as fotos antigas do bosque e comparar a árvore de antes com a de hoje?
No mesmo dia, fui direto pesquisar na internet. Lá encontrei quase tudo desde a inauguração da escola até os dias atuais, diante de várias fotos, um choque que arrepiou todo o meu corpo acabara de se manifestar no momento em que percebi um contraste. Ao analisar as fotos antigas, a árvore era cheia de vida, abrigava frutos, ninhos, orquídeas, parecia muito saudável e incrivelmente bela. E, ao comparar a mesma árvore hoje, não parecia mais a mesma, pois tinha um aspecto sombrio e sinistro, atrofiada e sem vida, e o motivo disso é que sua beleza foi roubada pelos olhos de quem a admirava, demonstrando uma estranha fobia a humanos e à sua própria beleza.   

Luiz Cláudio

Segundo turno

             Desempregado havia oito meses, já não fazia exigências quanto a encargos. Afinal, o que haveria de mais em ser guarda-noturno de um bosque? No máximo ele se depararia com um macaco fujão às três da madrugada.
            A primeira noite foi pacata, Guido não se atreveu a pôr sequer um pé para fora da portaria. Nenhum barulho foi ouvido que não fosse a copa das árvores verdejantes.
            Na noite seguinte, munido de uma lanterna e um cassetete, foi, passo a passo, percorrendo o labirinto úmido e frio que era aquele bosque. Os cipós caiam sobre sua cabeça, a folhagem era arrastada com o vento, que em nada se diferenciava dos filmes de Indiana Jones. Os animais dormiam como se estivessem sedados. Tudo estava tranquilo demais, tranquilo demais para um bosque no centro da cidade.
            Guido levantou a cabeça e avistou um ponto de luz vermelha no alto de um açaizeiro envolto pela relva. Não era mais um daqueles postes “naturebas”, era apenas um açaizeiro focando luz vermelha – o que por si só mudava as coisas de estranhas para macabras. Guido esfregou os olhos uma vez, duas vezes, juntou o resto de coragem que tinha e seguiu em direção à palmeira.
            A cada passo, sussurros estranhos eram notados, como vozes ofegantes vindas de lugar nenhum. Rangeres se tornavam cada vez mais próximos, enquanto a árvore crescia à frente de Guido. Chegou ao pé do açaizeiro e agora os sons eram ensurdecedores, mas já que estava lá, não iria voltar atrás. Apalpou o tronco e... Guido acabava de acordar com o uniforme completo, no meio da relva. Mas, espere um momento... Cadê o açaizeiro? Cadê a  luz? Foi tudo um sonho?
             Guido esperou ansiosamente seu turno e partiu em direção ao açaizeiro de novo, mas dessa vez com uma câmera. De novo acordara em meio à relva.
             Ligou a câmera e o que viu não poderia descrever. Logo ao tocar a palmeira pela segunda vez, ela partiu-se ao meio e a luz ficou mais intensa. As lentes da câmera focavam o buraco no centro do açaizeiro. Surgia um caldeirão de almas cozinhando em pleno purgatório, inclusive a de Guido. E o corpo que assistia sorrindo a tal festival de horrores, já não era dele.

Jamilly Padilha

Silêncio dos loucos

            Manhã de domingo, como qualquer outra, o orvalho corria pela vegetação do canteiro da casa e do quintal da família Neves, raios vermelhos vinham carinhosamente abraçar a casa. Cenário comum todo dia para Pedro, um jovem de 12 anos, filho de pais abastados, que infelizmente não puderam curar a doença do pobre garoto; sofria de esquizofrenia.
            Ele caminhava todo dia para a escola, até cumprimentava seus vizinhos. Apesar de sua doença, era um garoto simples, sempre repetindo a rotina, casa-escola, e, de maneira alguma, pensava que algo mudaria, sua vida era tão simples que o imprevisível, quando chegou, foi como a tormenta do mar tentando puxar um barco para as profundezas do azul-marinho.
            Ele continuou no seu trajeto, andava despreocupado. Um ruído, bem ao longe, como o simples farfalhar de um arbusto, preenchia sua mente, porém de maneira suave e até que relaxante. Minutos se passaram que mais pareciam horas, Pedro teve a impressão de que estava andando em círculos, e a cada passo que ele dava, parecia estar mais longe de casa, mas não mais perto da escola.
            O ruído aumentou a intensidade, o suave farfalhar agora parecia adquirir um tom de sussurros, não demorou... Pedro ouviu vozes. No momento em que começou a reconhecê-las, suas pernas já estavam cansadas, sentou e começou a conversar como as vozes. Passaram-se horas e Pedro já não conseguia mais raciocinar, as vozes se transformaram em berros, gritos aterrorizantes que mais pareciam vir de filmes de terror.
            Ele não sabia o que fazer, começou a pôr as mãos sobre os ouvidos e começou a tremer freneticamente. Sem aguentar, gritou a saiu em disparada pela rua, clamando por ajuda, ou simplesmente pela existência de um qualquer. Pedro parou, deixou de lutar, sua visão ficou turva, a noite recaía sobre seus ombros, que parecia pesar o mundo.
            Pedro caiu de joelhos, ergueu seus prantos pela última vez para a rua, na esperança de achar consolo. A terra se deformou, se contorceu em uma expressão bizarra de flexibilidade e fez o que ele tanto pediu a ela. Pedro foi engolido pela tenebrosidade da própria loucura, para viver na calmaria que nunca alcançara.

Filipe Menezes de Vasconcelos

MÓRBIDA SURPRESA

O crepúsculo se vai, a noite aterrissa. No interior do campo encontra-se uma floresta com ar de mistério. Urubus sobrevoam suas imponentes árvores, morcegos voam para todos os lados; a ausência parcial de luz não permite uma detalhada descrição.
            Ariadna acorda sobre a grama, a escuridão a assusta, tudo a sua volta são sombras disformes que não têm significado algum. De repente, a menina se dá conta de onde está. Já estivera ali? Talvez. Estava tudo tão confuso que ela nem se lembrava como fora parar naquela floresta. O medo toma toda sua essência. Começa a correr por entre as árvores. Após alguns minutos, começa a sentir-se em um ambiente familiar.
            Repentinamente, Ariadna depara-se com uma casa que não lhe é estranha. Na verdade, tem uma daquelas sensações estranhas, um “déjà vu”, não tem ideia do porquê. Após ter batido várias vezes na porta, ninguém respondeu, ela então decide adentrar na casa, procurar ajuda; estava desorientada.
            Na sala da casa, Ariadna sente-se estranhíssima, as penumbras dos cômodos deixam-lhe ainda mais assustada. Ali mesmo, a garota vê fotografias, fotografias de si mesma. Então, em um “insight”, ela se recordou de tudo, ou quase tudo. Já morara naquela mesma casa há pouco tempo, disso estava certa. Como não pôde lembrar? O que acontecera?
            A menina, em seu momento de questionamento, virou-se e deu de encontro com um espelho, um bem grande. Assustou-se, mas foi pelo motivo menos provável, inusitadamente não havia reflexo algum. Como instinto, ela olhou a si mesma e nada enxergava, era um fantasma, simplesmente já estava morta.

Raphael Meireles

domingo, 20 de março de 2011

A chuva de sangue amarelado

Era uma tarde chuvosa com inúmeros raios e trovões que brilhavam e estrondavam intensamente, uma tarde em que a forte chuva bloqueava minha visão e, consequentemente, ocultava todas as características dela.
Enquanto chovia, pude perceber que o brilho dela não era o mesmo, o seu cheiro e formato mudaram completamente, acredito que essa mudança fora uma ilusão de óptica ou um mosaico de meus sentimentos. A chuva não parava e eu ficava cada vez mais nervoso, até que em certo momento tudo mudou.
Repetidos trovões soaram e ecoaram além do normal, e quando o relâmpago mais forte surgiu, pude vê-la perfeitamente, parecia energizada e brilhava intensamente. Foi quando percebi que aquele relâmpago atingiu a árvore e toda a carga elétrica fora direcionada a ela.
Os galhos tremiam como se estivessem sofrendo ataque epilético e, juntamente com o vento, as folhas balançavam de um lado para outro, rapidamente. Até que a verdade foi-me relevada, sei muito bem que um raio não atinge duas vezes o mesmo lugar, mas, na verdade, isso é uma farsa. Enquanto eu olhava para ela, um relâmpago atingiu a árvore novamente.
Desesperei-me com o brilho e o estrondo do raio, foi quando percebi que ela não estava no mesmo lugar, ela caiu e se machucou extremamente, era possível ver seu sangue amarelado derramado no chão sujo, suas deformidades sofridas pela queda.
A manga despedaçou-se, sangrou, chorou, gemeu e foi pulverizada pelo último raio que a chuva poderia ceder.

João Augusto Cardoso da Costa.

Pedaço do Éden


Era uma casa aparentemente abandonada, de aspecto antiquado e de dimensões não muito grandes, porém causava-lhes espanto a extensão do imenso quintal que contornava sua estrutura, interligando-se com o jardim até então sem vida. Localizava-se um pouco distante da cidade e poucas pessoas viviam por perto. Porém, não havia dificuldade alguma para chegar ao centro partindo de lá.
A casa estava à venda há muito tempo. A notícia de que um forasteiro se interessara em comprar chocou os moradores das redondezas e logo se espalhou pela cidade. O estranho logo trouxe seus pertences para organizá-los dentro da casa. Ficou satisfeitíssimo com o resultado, mas sentia que faltava algo. O jardim e o quintal vazios davam um aspecto morto a casa. Decidiu que precisava de plantas.
Acordou bem cedo. Ao retornar da cidade, pôs-se a trabalhar em seu quintal. Logo foi deitar-se após terminar no fim da tarde, ansioso pelo que teria após algumas semanas.
Estava com alguns arranhões e sujo de terra ao acordar na manhã seguinte, por algum motivo. Simplesmente se arrumou, pôs alguns curativos e saiu pela porta da frente. Não pôde deixar de soltar um suspiro de espanto: inexplicavelmente, o que o homem havia plantado no dia anterior já estava enorme. Estava feliz, mas assustado com o que poderia ter causado essa anormalidade.
Era tarde da noite. Estacionou o carro e dirigiu-se à porta da frente, sonolento. Tropeçou em algo grosso e firme no caminho – uma raiz de árvore. Levantou-se e tentou enxergar o que havia na escuridão dos fundos da casa. Sua pasta caiu de seus braços. Havia árvores e plantas de tamanhos e formas monstruosas. Além disso, também se mexiam como se possuíssem consciência. Uma das raízes se enroscou no seu pé enquanto se distraíra com o susto. Enroscou-se com tanta força que, por mais que tentasse, era impossível conseguir se soltar. Gritou o mais alto que pôde, mas não adiantou. Ninguém o escutaria a essa hora. As raízes foram lhe arrastando até o meio do quintal, onde lhe prenderam. O homem sentiu o solo envolvendo seus membros, como se passassem a ser parte dele. Sentia dores, formigamentos, até que perdera a consciência. Já não era mais o mesmo.
Passaram-se anos. O que foi a moradia de um forasteiro um dia voltou a ser uma velha casa abandonada, porém com uma diferença. Quem passasse na frente da casa conseguiria ouvir gritos histéricos de sofrimentos vindos da única e gigante árvore que descansava no quintal dessa casa, cujo tronco revelava o desenho quase evidente de que formava uma expressão humana de melancolia e dor, sendo a única parte viva nos limites daquele terreno. Era como se toda a vida fosse fornecida somente para que crescesse mais e mais.
Vitória Sinimbu